30.6.10

Uma autobiografia em Cinco Parágrafos Curtos

1. Eu caminho pela rua. Há um buraco muito fundo na calçada. Caio dentro dele. Estou perdido. Fico desesperado. A culpa não foi minha. Vai demorar uma eternidade para eu sair daqui.

2. Eu caminho pela rua. Há um buraco muito fundo na calçada. Finjo que não o vejo. Caio dentro dele. Não posso acreditar que caí no mesmo buraco, mas a culpa não é minha. Vai demorar uma eternidade para eu sair daqui.

3. Eu caminho pela rua. Há um buraco muito fundo na calçada. Eu vejo-o. Mesmo assim, caio dentro dele. É um hábito. Os meus olhos estão abertos. Eu sei onde estou. A culpa é minha. Saio imediatamente.

4. Eu caminho pela rua. Há um buraco muito fundo na calçada. Eu passo ao redor dele.

5. Eu caminho por outra rua.

Portia Nelson


"How many roads must a man walk down before you call him a man?"

29.6.10

Power



"That's what the emperors had. A man stole something. He's brought in before the emperor; he throws himself down on the ground. He begs for mercy. He knows he's going to die. And the emperor pardons him. This worthless man, he lets him go."

A minha cena preferida do filme A Lista de Schindler. O conceito de poder que Schindler aqui sugere (eventualmente faria mais sentido falar em conceito de justiça) em oposição à tirania monstruosa exercida por Amon Goethe, faz-me lembrar, inevitavelmente, a dualidade entre a justiça de Deus e a justiça humana. E é magnífico que Spielberg tenha encaixado esta cena (de uma forma nada inocente, creio eu) no meio de um filme que aborda uma das páginas mais horrorosas da história da humanidade.

(Na falta de tempo e inspiração para longas divagações, o blogue passará a ter algumas curtas intervenções para não ter que ouvir a Patrícia a reclamar porque "agora estas pessoas é só facebook, já nem escrevem nos blogues!...")

26.6.10

Answers



Even though we are not supposed to fully understand life
- instead, we are supposed to fully live it -
my heart is warmed by this idea
someday we will have answers...

"someday we'll know..."

2.6.10

O sofá e a cruz


Tenho andado a pensar (sim, às vezes eu penso!)...

É possível que o desejo mais forte do ser humano seja o de alcançar conforto. Talvez eu esteja errado, mas parece-me que a sede de conforto é a principal motivação das nossas acções. Compramos tralha atrás de tralha em nome do conforto. Gerimos os nossos relacionamentos com base no que mais nos convém, no que menos atrapalha o nosso conforto. Mesmo as boas acções que fazemos são, muitas vezes, uma forma de afastar o desconforto que ameaça instalar-se na consciência.

Eu procuro o conforto muito mais do que qualquer outra coisa. Muito mais do que a liberdade, do que o amor e do que a verdade que, em teoria, são valores mais importantes para mim. Na prática, o conforto é o meu alimento e qualquer migalha que eu consiga adquirir torna-se, de imediato, o meu bem mais valioso. Mais do que um bem: é um vício. Este apego ao conforto está tão enraizado em mim e é tão inconsciente que raramente me lembro de o questionar. Nem sou capaz de identificar todos os reflexos quotidianos deste vício.

Por outro lado, eu gostava de ser cristão. E o cristianismo oferece uma resposta completa à necessidade de conforto: o meu conforto é a graça de Deus. A graça deve ser a âncora da minha vida, a única âncora. E é esta graça radical que nos concede liberdade. Liberdade no sentido proposto por Jesus, que tem um significado muito diferente da liberdade que a sociedade persegue. Ser livre passa por apagar a necessidade de vivermos para a nossa auto-satisfação... passa por abdicar do conforto. Afinal, foi isso que Jesus - o nosso maior exemplo - fez! Ele abdicou de todo o conforto para enfrentar uma sociedade que, no fim, revelou-se hostil à sua mensagem. Por fim, abdicou da própria vida, inaugurando assim um caminho alternativo para a vida do homem, um caminho que passa pela abnegação e no qual a motivação primária para as acções e palavras é a compaixão profunda pelos outros.

Impõe-se, por isso, a questão: até que ponto é que eu, enquanto cristão, devo abdicar intencionalmente do conforto oferecido pelo materialismo? Até que ponto é que eu devo lutar para alterar as motivações egocêntricas das minhas acções e dos meus relacionamentos? É certo que eu não tenho capacidade para me mudar por mim próprio. A mudança será sempre mais o resultado da transformação que eu permito que Deus faça em mim, do que o resultado do meu esforço pessoal. No entanto, devo estar receptivo a essa acção de Deus e participar nela activamente... provocá-la até!

Creio que Deus deseja moldar o carácter das pessoas, renovar a forma como lemos a vida e pôr em causa muita coisa que temos como certezas. Acredito nisto e, por um lado, quero que isto aconteça. O problema é que eu raramente levo a sério a proposta de vida radical que Jesus nos trouxe... O problema é que eu tento conciliar o sofazinho confortável com a cruz de Jesus. É aqui que está o busílis da questão e é isto que tem ocupado o meu pensamento ultimamente: será que o sofá e a cruz são compatíveis?