Tenho andado a pensar (sim, às vezes eu penso!)...
É possível que o desejo mais forte do ser humano seja o de alcançar conforto. Talvez eu esteja errado, mas parece-me que a sede de conforto é a principal motivação das nossas acções. Compramos tralha atrás de tralha em nome do conforto. Gerimos os nossos relacionamentos com base no que mais nos convém, no que menos atrapalha o nosso conforto. Mesmo as boas acções que fazemos são, muitas vezes, uma forma de afastar o desconforto que ameaça instalar-se na consciência.
Eu procuro o conforto muito mais do que qualquer outra coisa. Muito mais do que a liberdade, do que o amor e do que a verdade que, em teoria, são valores mais importantes para mim. Na prática, o conforto é o meu alimento e qualquer migalha que eu consiga adquirir torna-se, de imediato, o meu bem mais valioso. Mais do que um bem: é um vício. Este apego ao conforto está tão enraizado em mim e é tão inconsciente que raramente me lembro de o questionar. Nem sou capaz de identificar todos os reflexos quotidianos deste vício.
Por outro lado, eu gostava de ser cristão. E o cristianismo oferece uma resposta completa à necessidade de conforto: o meu conforto é a graça de Deus. A graça deve ser a âncora da minha vida, a única âncora. E é esta graça radical que nos concede liberdade. Liberdade no sentido proposto por Jesus, que tem um significado muito diferente da liberdade que a sociedade persegue. Ser livre passa por apagar a necessidade de vivermos para a nossa auto-satisfação... passa por abdicar do conforto. Afinal, foi isso que Jesus - o nosso maior exemplo - fez! Ele abdicou de todo o conforto para enfrentar uma sociedade que, no fim, revelou-se hostil à sua mensagem. Por fim, abdicou da própria vida, inaugurando assim um caminho alternativo para a vida do homem, um caminho que passa pela abnegação e no qual a motivação primária para as acções e palavras é a compaixão profunda pelos outros.
Impõe-se, por isso, a questão: até que ponto é que eu, enquanto cristão, devo abdicar intencionalmente do conforto oferecido pelo materialismo? Até que ponto é que eu devo lutar para alterar as motivações egocêntricas das minhas acções e dos meus relacionamentos? É certo que eu não tenho capacidade para me mudar por mim próprio. A mudança será sempre mais o resultado da transformação que eu permito que Deus faça em mim, do que o resultado do meu esforço pessoal. No entanto, devo estar receptivo a essa acção de Deus e participar nela activamente... provocá-la até!
Creio que Deus deseja moldar o carácter das pessoas, renovar a forma como lemos a vida e pôr em causa muita coisa que temos como certezas. Acredito nisto e, por um lado, quero que isto aconteça. O problema é que eu raramente levo a sério a proposta de vida radical que Jesus nos trouxe... O problema é que eu tento conciliar o sofazinho confortável com a cruz de Jesus. É aqui que está o busílis da questão e é isto que tem ocupado o meu pensamento ultimamente: será que o sofá e a cruz são compatíveis?