Há algumas semanas atrás estive num almoço de família, comemorando o 90º aniversário de uma tia minha. A minha tia é esposa de um pastor que foi responsável por várias igrejas em Portugal e foi missionário em Angola. Depois do almoço contaram-se histórias. Filhos, sobrinhos e amigos da minha tia recordaram o passado, os momentos tristes e alegres, episódios que causaram dor ou riso, recortes de uma vida repleta de experiências ao serviço do Pai e do próximo. Foram histórias sem preço que ouvi naquela tarde. Histórias de familiares que viveram numa época diferente da minha, com mais obstáculos e dificuldades, mas com uma dependência radical de Deus e uma vida muito mais aventureira do que aquela que hoje vivo. Às vezes a nossa tendência, por nos julgarmos gente "moderna" do século XXI, é desprezar aquilo que os mais velhos têm para ensinar. Já não temos paciência para ouvir as histórias. E, no entanto, elas são tão ricas...
Tenho muitos pastores e missionários na família. E ao longo do meu crescimento fui ouvindo histórias de vários tios cujo trabalho em prol do Reino foi marcante e cujas vidas foram bonitas! Hoje sei que essas histórias deixaram em mim uma herança indelével, apesar de eu nem sempre me ter apercebido dela. As histórias que ouvi levaram-me a admirar esses meus tios, grandes aventureiros!
Recordo com particular saudade as visitas de um tio à minha casa, ex-pastor de várias igrejas em Portugal, ex-missionário em Timor e que hoje vive nos Estados Unidos. O jantar era sempre marcado por histórias e por gargalhadas dos mais velhos, enquanto eu e a minha irmã respondiamos com leves risadas, muitas vezes sem perceber bem o conteúdo das conversas ou sem lhes dar o devido valor. Durante muitos anos ele era presença frequente na minha igreja, como orador convidado. E aí toda a gente gostava dele (ou, se não gostavam, disfarçavam bem). Pregava a contar histórias! Histórias provenientes de uma vida com experiências enriquecedoras e de um coração bom. Esse meu tio é em muitos aspectos o meu ideal de velhote: já dei por mim várias vezes a pensar que quando for velhote quero ser um velhote feliz como ele.
Sempre gostei de histórias e talvez seja por isso que o meu género literário favorito são as biografias. Gosto de conhecer histórias de pessoas. Temos muito a aprender, mesmo com pessoas comuns que, aparentemente, não tenham feito nada de relevante.
Há colectâneas de histórias muito boas. Por exemplo, os livros "Histórias Para O Coração", que contêm histórias recolhidas por Alice Gray. Li alguns livros desta colecção há alguns anos e não foram poucas as noites em que adormeci com os olhos húmidos por culpa das histórias que tinha acabado de ler.
Agora estou a ler um livro chamado Let Me Tell You a Story, uma colecção de histórias compiladas, vividas ou ouvidas por Tony Campolo. Histórias que nos levam a reconhecer traços da personalidade e do carácter do Pai através de episódios das vidas de pessoas comuns. Com o subtítulo "Life Lessons from Unexpected places and unlikely People", este livro é mais um que nos faz mergulhar no maravilhoso mundo das histórias. Tony Campolo é um contador de histórias nato - diz ele que aprendeu com a sua mãe, também ela uma especialista nesta arte. A maior parte dos pregadores baseia os seus sermões na doutrina cristã, na teologia. Tony Campolo usa as histórias como a sua própria teologia. Diz ele: «someone else suggested that I use stories instead of theology as a basis for my sermons, but I must tell you that, in the end, my stories do not illustrate my theology - they are my theology. I choose to tell truths about myself, about others, and most of all about God, not with theological statements, but with stories.»
É engraçado constatar que Jesus também ensinou teologia através de histórias. É nas parábolas que encontramos a essência do Reino de Deus e do Amor do Pai. Jesus contava histórias às multidões e mesmo as suas conversas com os discípulos estão repletas de ilustrações e de exemplos da vida quotidiana daquela época. No sermão da montanha - "the best sermon ever" nas palavras de Shane Claiborne - Jesus aborda uma vasta gama de problemas pelos quais nós passamos e dá-nos indicações muito precisas e valiosas daquilo que significa ser Seu seguidor. Mas não o faz recorrendo a um sermão enfadonho e repleto de afirmações teológicas imperceptíveis e impraticáveis. Jesus recorre a ilustrações como "o sal", "a luz", "os lírios do campo", "as árvores do céu" e "a casa construída sobre a rocha". Acredito que a teologia tem a sua importância e o seu valor, mas pode tornar-se inacessível e dúvido muito da relevância de uma teologia cujo resultado seja apenas doutrina abstracta. Ainda que respeite quem estuda tal teologia, creio que o mundo não precisa de teologia que não tenha como objectivo a relação com Deus e que não seja passível de ser aplicada na vida prática.
Arrisco mesmo a dizer que Jesus terá sido o melhor contador de histórias de sempre. Ele contou-nos histórias que nos permitem conhecer o Pai e contou-nos essas histórias como nenhuma outra pessoa poderia contar - porque Ele e o Pai são um só. Histórias como a do filho pródigo, a da ovelha perdida ou a moeda perdida, contêm a melhor teologia jamais feita! Julgo que se o Espírito Santo nos revelasse o significado pleno dessas histórias nós teríamos automaticamente conhecimento de toda a teologia que necessitamos para uma vida cristã abundante. É pena que essas parábolas estejam hoje tão batidas, que se torna difícil encontrar nelas algo de novo, algo de relevante, para além das verdades valiosas "Deus ama os pecadores", "Deus está de braços abertos à tua espera", "Deus está à tua procura", que infelizmente se tornaram afirmações corriqueiras, ao ponto de soarem desprovidas de significado. Por vezes, ao reler estas histórias, Deus presenteia-me com vislumbres do seu real significado: delicio-me com o tamanho do amor de Deus, com a loucura e a extravagância desse amor e com o anseio que Ele sente por ter comunhão connosco... E é então que essa comunhão se torna irresistível!
Contar histórias é uma arte que raras vezes é valorizada na sociedade e nas igrejas... Uma boa história amacia e derrete um coração. Uma história bonita e simples tem o condão de nos aquecer da mesma maneira que uma lareira numa noite de Inverno. Ao sermos confrontados com uma boa história, somos levados a despir a nossa carcaça de insensibilidade, o riso e o choro tornam-se irresistíveis, tornamo-nos mais humanos, mais genuínos...
Por todas estas razões, vá lá, conta-me uma história...