24.3.10

Should christians use their brains?


«Caleb left the office [Jeff's office, his pastor]. After he walked out through the church's front doors, he stopped under the archway and rubbed his temples. He was surprised to find himself shaking. Am I crazy? Jeff was his mentor and friend, and he had relied on his support and encouragement over the past couple of years. It had sustained him. But... he doesn't understand me anymore. It wasn't safe for him to bring up questions. Emptiness echoed in him like a late-night leaky faucet. His chest tightened. His eyes stung. He bowed his head and shuffled slowly through the drizzle to his parked car.»

A foto foi encontrada no grupo do facebook que referi num texto anterior: "I'm a christian and I'm proud." (Parece que há quem se esteja a divertir usando o grupo para fazer propaganda anti-cristã e esta foto serve muito bem esse propósito). O texto é um excerto de um livro que estou a ler, chamado True Story: A Christianity Worth Believing in. Em linhas gerais o livro é uma história inventada sobre um jovem cristão, chamado Caleb, que começa a questionar alguns aspectos da fé. Põe em causa o cerne do cristianismo que lhe ensinaram e mesmo o objectivo do evangelho. O bacano sente que na sua igreja é incompreendido e que não há abertura para colocar as questões que lhe assaltam a mente. Acaba por entrar em contacto com uma pessoa que o conduz num processo de redescoberta da fé. Uma fé com raízes mais sólidas, um evangelho que aponta para uma nova visão do mundo e para uma missão global que torna o cristianismo relevante no caos em que vivemos.

Encontro nesta história vestígios da minha própria biografia. Também tenho passado por um processo de redescoberta da fé. Cresci com dificuldade em me identificar com uma grande parte dos cristãos adultos que conhecia. Sempre me pareceu que em muito do que nós fazíamos na igreja não batia a bota com a perdigota. Sentia dificuldade em carregar a bagagem adicional à fé, composta por regras, costumes estranhos, tradições sem sentido e doutrinas confusas. Passei por muitos conflitos mentais e por uma fase de muita saturação. Felizmente ao longo do tempo conheci pessoas, tive conversas, vivi experiências e li livros que foram pavimentando o caminho da redescoberta da fé que eu mais tarde percorri. Hoje estou convicto que muita da bagagem adicional que me obrigavam a carregar é desnecessária e, até, prejudicial. Aos poucos, às vezes sorrateiramente, outras vezes com uma ponta de rebeldia que considero saudável, vou mandando essa bagagem às malvas!

É provável que muita gente da minha geração se identifique com a história do Caleb. Não fomos educados para a reflexão e sentimos que não há tempo e espaço para expor dúvidas e levantar questões. Diria até que muitos de nós fomos educados para ter medo das nossas próprias ideias... e por preguiça cedemos a esse medo! É mais fácil ir com a corrente! (E esta análise tanto é válida para cristãos como para não cristãos, basta substituir o contexto da igreja pelo da sociedade e da cultura!)

É mais fácil fazer o que sempre fizemos, pensar o que sempre pensámos, viver como sempre vivemos. É cómodo. Contudo a culpa não é só nossa. É uma questão de educação, de cultura e talvez também de conflito de gerações. Por ignorância, cobardia ou por razões ainda mais obscuras, não somos encorajados a pensar. Pelo contrário. Somos encorajados a tomar por empréstimo as ideias dos outros, a fé dos outros, os argumentos dos outros. Nos casos extremos, somos cobaias de uma lavagem cerebral efectuada por aqueles que têm poder sobre nós.

Infelizmente, às vezes a lavagem cerebral é feita através dos púlpitos. Criam-se rebanhos de ovelhas fanáticas que dizem "amééééé" a tudo. É o que eu chamo de "cristianismo" (obviamente entre aspas) castrador de identidades. E quando uma ovelha tem dúvidas é assaltada por um desconforto tão grande que mais vale reprimir todas as questões e lidar com os dilemas individualmente... até atingir o ponto de saturação. A foto lá de cima exemplifica o tipo de fundamentalismo promovido pelas igrejas mais extremistas. (Convém dizer que não conheço nenhuma igreja assim. Uma (pequena?) parte das igrejas evangélicas que conheço poderá ainda ter vestígios deste género de fundamentalismo, mas nada tão declarado como esta triste foto sugere.)

Reparem agora no contraste entre a foto lá de cima e a exortação que Paulo deu aos cristãos de Roma (exortação essa que, por estes dias, é um dos meus versículos preferidos): "Não se conformem com os padrões e costumes deste mundo, mas sejam como gente diferente, através da renovação da vossa maneira de pensar" Romanos 12:2

Pensar não tem nada de anti-cristão. Pelo contrário. O cristianismo deve estar na vanguarda do pensamento livre. Livre dos raciocínios viciosos que nos querem impingir, venham eles dos pulpitos, das tv's, dos professores, dos livros supostamente eruditos, etc. Livre das argumentações esfarrapadas que vigoram na sociedade, livre dos preconceitos que nos querem controlar... É esta a exortação de Paulo: não se conformem com a forma como as pessoas à vossa volta pensam a vida! Sejam diferentes! Pensem diferente! As igrejas devem promover tempo e espaço para as pessoas reflectirem, colocarem questões, porem em causa os pressupostos da vida e da fé. Construir passo a passo a fé (ou reconstruir) é um processo frutífero e que faz todo o sentido no mundo confuso em que vivemos. Acredito que, quando esse processo é motivado pelo desejo sincero de conhecer a verdade, é o próprio Deus que conduz as pessoas às respostas que elas precisam.

Para os meus amigos que não são cristãos, a minha mensagem é esta: ser cristão não é sinónimo de ser fanático e aceitar sem questionar tudo aquilo que nos querem enfiar no cérebro. No cristianismo há espaço para a dúvida e para as perguntas. Há espaço para pessoas que não sabem tudo e que discordam daquilo que outros cristãos dizem. Porque, ao contrário do que diz o cartaz da foto, ao contrário do estereótipo através do qual os cristãos são julgados, um cristão pode e deve ser "um free thinker".

5 comentários:

Débora Silva disse...

(Olha, eu não sei quem lê o teu blog, mas assumo responsabilidade pelo comentário que se segue e, se alguém se sentir ofendido, pode sempre contactar-me.)

Eu também passei anos a achar que muitas coisas não conjugavam bem. Hoje sinto-me livre porque comecei a pensar por mim mesma. Também tive o privilégio de ter amigos a ajudar no processo.
No entanto, acho que seria "muito melhor" cristã se não tivesse sido "a miúda esquisita que só veste saias". Claro que não é razão nem desculpa para todos os meus erros, mas foi a raíz de muita revolta e falta de motivação.
Ainda hoje, quando ouço uma pregação e falam em "doutrina", a primeira coisa que me vem à cabeça é "usos e costumes". Instantaneamente. Não me deixa pensar em mais nada. Limita-me. Tem a ver com a maneira como fui educada. Disso não me vou conseguir libertar nunca, acho eu.
Depois começou a altura em que temos mesmo que nos afirmar como cristãos em frente aos amigos. É que há uma altura que tu dizes que és cristã e ninguém pergunta nada. Mas depois começam a querer saber, perguntam, querem perceber.
Decidi explicar-lhes as coisas como as vejo. Separar as águas.
Como é que posso dizer que o sexo antes do casamento está errado e as raparigas vestirem calças também? Iria ser um absurdo!

Pensar faz-nos bem a nós e aos outros. E a dúvida faz parte do processo.

David disse...

(Estás à vontade.)

Os danos causados pela imposição sem nexo de usos e costumes estendem-se a tanta gente e a tantos anos... Ainda hoje eles se fazem sentir. Ainda hoje em dia há gente a ser magoada em nome do fundamentalismo cristão =( Fazer uma avaliação objectiva dos estragos provocados por essas "doutrinas" é tarefa hercúlea. Há quem tenha passado por lá e saído relativamente incólume. Outros sofreram danos, mas a certa altura conseguiram "separar as águas". E para outros os danos foram irremediáveis...

Débora Silva disse...

Pois, estás a ver? Usaste a palavra "doutrina".
Eu também usava. Não quer dizer que seja errado, não sei se é ou não. Se calhar nem é.
Mas depois de ter estudado um livro chamado "Doutrinas Bíblicas" (que estava com medo, ao princípio. Pensei mesmo que fosse desistir do curso da EETAD por causa dele, lol), vejo "Doutrina" como uma coisa muito, muito profunda e muito, muito importante.
Essas outras "coisas" (ia dizer "parvoíces", mas se calhar é um bocadinho demais), são "usos e costumes".

David disse...

Podes dizer "parvoíces". Acho que é mesmo o termo técnico mais adequado. Lol

Sim, na minha resposta apliquei a palavra doutrina aos usos e costumes. E julgo que era mesmo como doutrina que eles eram vistos. A certa altura no nosso meio era tão essencial acreditar na salvação por meio de Jesus como ter o comprimento certo de cabelo. Depois essas parvoíces passaram a ser vistas como formas de não escandalizar as pessoas mais velhas (mas muitas das pessoas mais velhas também se estão nas tintas, por isso este argumento tem o seu quê de falacioso).

Hoje já conseguimos fazer uma separação clara entre doutrina e usos e costumes. Mas convém dizer que o post lá de cima (o texto de Brissos Lino) não diz respeito apenas a usos e costumes. Ali fala-se mesmo de doutrina. E aquilo que se diz é que fazer da doutrina um cavalo de batalha, torná-la o foco do nosso cristianismo, é perigoso, porque desvia-nos daquele que devia ser o nosso foco real.

Dou-te um exemplo: eu acredito que não faz sentido baptizar crianças. Um outro cristão pode acreditar que faz sentido, como acto simbólico, sei lá. Neste capítulo cada um deve seguir a sua consciência e pedir a Deus que nos ajude a interpretar a Bíblia de acordo com a sua vontade e esta diferença doutrinária não me torna melhor cristão do que o outro, o vice-versa.

Eu vejo as coisas assim: o cristianismo parte de uma premissa que constitui a doutrina essencial para se tornar um caminho sobretudo prático e não teórico.
A premissa é esta: Jesus morreu em nossa substituição, mas voltou a viver e com isso ganhou vida abundante para todos os que tiverem fé nele e aceitarem o acesso ao Pai pela graça. A vida abundante vive-se ao sermos cristãos, ou seja, seguidores de Cristo (e não apenas crentes em Cristo). E isto é uma coisa muito mais prática do que teórica.

Acho até que muitas das doutrinas são mais importantes para os homens do que para Deus. Por exemplo, creio que Deus não está muito interessado na idade em que as pessoas devem ser baptizadas. Está muito mais interessado se a certo ponto das suas vidas há ou não intenção real de o seguir, se há ou não arrependimento (e o arrependimento é algo substancialmente diferente daquilo que pensamos... tenho que ver se escrevo sobre isso!). Porque o que interessa não é o baptismo em si, mas aquilo que o baptismo simboliza.

Não sei se me fiz entender...

Atenção: eu acho que a doutrina tem também o seu lugar na vida do cristão e é importante. Mas não é o mais importante. E nesse sentido concordo a 100% com o texto de Brissos Lino.

Xana disse...

Ando a ler este blog com menos regularidade que gostaria... nem sei se tem sentido continuar este segmento de comentarios. No entanto achei interessante o tema da "doutrina" que acho que nos faz pensar a todos que fomos educados segundo uma determinada doutrina. Parece-me que nao fui educada segunda a mesma doutrina que voces mas acho que isso e' insignificante porque todas as igrejas cristas seguem uma doutrina que se baseia na ideia fundamental: Deus fez-se homem para nos libertar da nossa propria humanidade (e devem existir mil maneiras diferenes de dizer isto, eu exprimo-me assim...).

Num determinado momento tambem eu me questionei muito sobre o modo como fui educada na fe crista e sobre todos as coisas que isso implicava (costumes, regras, ...). Agora penso e vejo (nao li nada sobre o assunto... e' a minha opiniao) que a doutrina serviu para saber pelo menos que existe um Deus que e' Pai, Filho e E.S.. E que comecei a conhecer esse Deus porque alguem me deu a conhecer a vida de Jesus (que e' o proprio Deus)... depois aprendi os "habitos" que fazem parte e identificam o modo de viver e o modo de corresponder aos ensinamentos de Jesus de um determinado grupo de cristaos. A doutrina e como se fosse um "pilar" da nossa fe', que so por si nao vale para chegar a uma comunhao com Deus, mas e' essencial para uma forte e solida construcao dessa comunhao que e' continua. A doutrina sem vida nao e' doutrina e acaba por transformar-se justamente nesse conjunto de regras e costumes sem sentido. Penso que so quando comecamos a associar e a relacionar a nossa vida com doutrina podemos questiona-la e tentar compreende-la.... sou de acordo que exitem coisas nas doutrinas que para Deus nao fazem alguma diferenca, e o exemplo de quando se baptiza e' um deles... o importante e' o que simboliza o baptismo. Este tipo de "coisas" esta dentro de cada um de nos, que so se torna real e com sentido na medida em que tentamos viver segundo o que acreditamos... E quanto mais se vive mais verificamos que e' verdade aquilo em que acreditamos (e' uma coisa reciproca... interessante). O modo como o fazemos e' o menos importante.

Desculpem a ausencia de acentos, mas o computador que estou a usar nao os tem!